BRUXELAS > Padre Leão Dehon
ORIGEM DA PRESENÇA SCJ
A partir de 1890, o Pe. Jeanroy vinha regularmente a Bruxelas fazer conferências e peditórios para a escola apostólica de Arlon-Clairfontaine, da qual era o ecónomo. Entretanto, nasce uma amizade com dois responsáveis locais da conferência de São Vicente Paulo: o Sr. Beckers, empreiteiro, e o Sr. Visconde de Meeus, que mandara construir, por conta própria, uma pequena capela em Etterbeck, com uma pequena casa destinada a um futuro pároco. Procuravam um sacerdote, até porque os moradores raramente viam um sacerdote e sentiam a sua falta.
Em 1896, Pe. Jeanroy e alguns confrades obtêm a autorização do Padre Dehon e do Cardeal Goossens para se estabelecerem perto da capela, conhecida como capela de Santo António.
Entretanto, o arcebispo deseja abrir um lugar de culto a Ixelles. O Pe. Jeanroy instala-se então no Boulevard Militaire, depois, definitivamente, na Rua Eugène Cattoir. A. Ducamp conta deste modo:
“Cedo nasceu neste lugar uma modesta e pia capela destinada a prover as necessidades religiosas deste quarteirão, naquela altura bastante afastado de todas as igrejas paroquiais. À capela foi acrescentada uma casa destinada aos nossos Padres”(Albert Ducamp : Le Père Dehon et son oeuvre, 258).
A casa será, ao mesmo tempo, Procuradoria das Missões, função que desempenhará até 2007. Os padres Grison, regressado do Equador a 12 de junho de 1896, e o Pe. Lux, serão os primeiros missionários enviados a partir desta casa, a 6 de julho de 1897, embarcando em Anvers-Antwerpen, no famoso barco “Alberville”. Iam para tomar posse, no Congo, de uma missão em plena floresta equatorial, cujo território representava metade da França.
O Padre Dehon recorda deste modo o intenso e humilde trabalho do Pe. Jenaroy na recolha de bens para ajudar a Missão do Congo:
“A sua grande obra foi a Procuradoria das Missões do Congo. Com Mons. Grison, fundou e desenvolveu esta pérola das nossas obras… Nomeado procurador da Missão de Stanley-Falls, foi para o seu confrade, Mons. Grison, Vigário Apostólico de Stanleyville (atual Kisangani), um colaborador muito apreciado. Encarregado de prover às necessidades materiais da Missão com o envio periódico de ajudas, cumpriu essa tarefa, por vezes muito árdua, sobretudo no início, com incansável dedicação” (NQT, XLV, 31).
Desta casa partiriam para essa missão outros 412 missionários. Muitos aí morreram, uns vítimas de doenças, outros assassinados, como os 28 missionários dos tumultos de 1964. Na casa de Bruxelas, um museu recorda esses missionários e suas histórias.
A 6 de Março de 1903 o arcebispo de Malines, Cardeal Goossens, autoriza a transferência da Casa-Mãe da congregação de Saint-Quentin para Bruxelas. A partir do dia 1 de abril de 1903, o Padre Dehon estabelece-se na casa de Bruxelas, transformando-a em Casa Geral com todos os seus serviços, que funcionará até à sua morte, a 12 de agosto de 1925. O motivo principal da sua vinda para Bruxelas prende-se com a política anti-congregacionista, iniciada já em julho de 1901 pelo governo francês de Waldeck-Rousseau. Inicialmente, tal política limitava-se a impor às congregações, não previamente autorizadas, a necessidade de um pedido de permanência para as suas instituições. Prosseguem, no entanto, as leis restritivas às congregações pelo governo Combes. É neste contexto que muitas congregações abandonam o território francês. Trata-se de um processo que terminará com a interdição ao ensino por parte das congregações religiosas.
O Padre Dehon relata deste modo esta dura provação da expulsão de França da sua congregação:
“De 2 a 9 de dezembro [de 1902] ficarei alojado em Bruxelas. Acomodo-me, é exílio. A minha alma poderá encontrar lá paz numa casa comum. O projecto de lei que nos exclui de França será apresentado na Câmara no dia 5. Vários dos nossos amigos, o Sr. Gayraud, o Sr. Groussau, o Sr. De Mun, oferecem-me o seu apoio. Poderemos salvar um pequeno grupo de missionários diocesanos em Saint-Quentin. Novamente! Aceito a minha situação, mas não sem ansiedade. Parece-me que estou sem pátria, sem lar, como o lendário Ashaverus. Não tenho mais nada nas mãos. Papéis e livros estão espalhados por Roma, Saint-Quentin, Bruxelas! Fiat! Fiat! Nunca expiarei o suficiente por todas as meus falhas, todas as minhas fraquezas, todas as minhas infidelidades à minha missão. Espero que o céu não se feche para mim!” (NQT XVIII, 44).
A CAPELA
A capela atual foi benzida a 25 de março de 1902 por Mons. Jacobs, decano emérito de Sainte Gudule e presidente da Sociedade Antiescravagista. Uma placa ao fundo da capela recorda, hoje, o rito e os nomes de alguns dos benfeitores.
Fazendo parte da paróquia de Notre-Dame de La Cambre, a capela não é paroquial. Aí reúne-se a comunidade, permanecendo, contudo, aberta ao público, que pode, deste modo, participar na oração e nas celebrações da comunidade, em particular na meia hora de adoração quotidiana, na oração da tarde, na hora santa da primeira quinta-feira de cada mês.
Grupos de nacionalidades diferentes vêm aqui para encontros regulares, usufruindo das salas de encontro, da capela e dos jardins.
MORTE DO PADRE DEHON
Foi no quarto da casa da Comunidade de Bruxelas que Padre Dehon faleceu, com 82 anos de idade, a 12 de agosto de 1925, às 12h10. No momento da sua morte, apontando para uma imagem do Coração de Jesus, afirmou com voz clara e forte: “Para ele vivi, para Ele morro”. Os dois quartos que eram ocupados pelo Padre Dehon podem hoje ser visitados. O espaço mantém-se praticamente intacto, preenchido de objetos do seu uso diário.
Em janeiro de 1925, começa assim o seu Diário:
“É o último caderno e, quem sabe, o último ano. Fiat!… A minha carreira chega ao fim. É o crepúsculo da minha existência… O ideal da minha vida, o voto que formulava entre lágrimas na minha juventude era ser missionário e mártir. Parece-me que esse voto se cumpriu. Missionário sou-o pelos meus mais de cem missionários que estão em todas as partes do mundo. Mártir sou-o pelas consequências que Nosso Senhor deu ao meu voto de vítima, especialmente de 1878 a 1884…” (NQT XLV, 1-2).
Também os problemas externos mais graves estão resolvidos, e a organização do Instituto apresenta-se mais sólida. O Padre Dehon compra a casa de Roma por 800.000 liras. Será a nova casa-mãe.
“Parece que a Congregação se completa e organiza. Tudo isso ultrapassa as minhas previsões. Foi Nosso Senhor que fez tudo; só estorvei a sua obra” (NQT XLV, 14).
A 14 de março de 1925, Ano Jubilar proclamado por Pio XI, o Padre Dehon completa 82 anos. É feliz por poder ganhar na capela de Bruxelas as indulgências do Jubileu:
“É uma verdadeira alegria, uma satisfação espiritual. Sou feliz… por ser purificado de todas as minhas culpas” (NQT XLV, 44).
Em junho de 1925, escreve no Diário:
“Para a Festa do Sagrado Coração faço meu este pensamento de S. Margarida Maria: Ó Coração de Jesus, morro do desejo de me unir a Ti, de possuir-Te, de abismar-me em Ti, que és a minha morada para sempre” (NQT XLV, 63).
Em julho de 1925, grassa em Bruxelas uma epidemia de gastroenterite, e vários padres da comunidade caem doentes. O Padre Dehon vai visitá-los, e tem para todos uma boa palavra.
A 4 de agosto, depois da Missa, também o Padre Dehon vê-se obrigado a voltar a deitar-se. As suas condições gerais são boas e os médicos estão otimistas. Doente, continua a ocupar-se dos assuntos da Congregação com o seu Assistente, Pe. Philippe e, sobretudo, da preparação do nono Capítulo Geral, que deverá começar em Bruxelas a 15 de setembro e continuar, depois, na casa de Lovaine.
Na noite de 9 para 10 de agosto, o Padre Dehon sofre uma crise aguda, acompanhada de um notável enfraquecimento do coração. Os médicos diagnosticam perigo de morte.
A 10 de agosto é o dia onomástico do Assistente Geral, Pe. Lourenço Philippe. O Padre Dehon manda preparar flores, felicita-o e dá-lhe uma prenda. Também nos últimos dias da sua vida, continua a manifestar a sua nobreza de alma, o seu grande coração, cheio de delicadeza e solicitude para com todos.
Terça-feira, 11 de agosto, o Pe. Philippe pergunta-lhe se quer receber a Unção dos Enfermos. “Sim, sim, de todo o coração”, responde num estremecimento de alegria, batendo palmas. Antes de receber o Viático
“renovou os seus votos de pobreza, castidade e obediência, acrescentando ‘e de imolação’. Repetiu várias vezes estas últimas palavras: “Por isso preciso da cruz” (L. Philippe, Cartas Circulares, 1, n. 27).
Quarta-feira, de manhã, 12 de agosto, as crises cardíacas tornam-se cada vez mais frequentes. O fim é iminente. “Sofro”, diz o moribundo, indicando o coração. O Pe. Philippe diz-lhe que se una ao Coração de Jesus para a imolação total. “Sim”, murmura, ao mesmo tempo que o olhar se lhe ilumina.
Por volta do meio-dia, entra em agonia. De repente, estende a mão para uma imagem do Coração de Jesus, e com voz clara exclama:
“Para Ele vivo, para Ele morro” (H. Dorresteijn, scj, Vita e personalità di P. Dehon, 313).
São as suas últimas palavras. Às 12h10 do dia 12 de agosto de 1925.
As cerimónias fúnebres têm lugar em Bruxelas e, posteriormente, na basílica de Saint-Quentin a 19 de agosto de 1925. É nesta basílica, tão querida ao Padre Dehon, que Mons. Binet, Bispo de Soissons, pronuncia a oração fúnebre:
“Uma página de grande história religiosa está para se concluir… A um dos filhos mais eminentes e mais ilustres do século XIX, a diocese de Soissons, da qual eu também sou filho, oferece, através do meu ministério, as lágrimas de dor,… a ilimitada gratidão, e sobretudo, o tributo de orações, que, a muitos títulos, são devidos ao Padre Dehon… Durante 20 anos, qual é a grande iniciativa levada a cabo em Saint-Quentin, a nível religioso, em que não se vislumbre a mão e, sobretudo a grande alma do Padre Dehon?” (A. Ducamp, Le Père Dehon et son Oeuvre, 555-559).
Os restos mortais do Padre Dehon foram depositados no jazigo da Congregação no cemitério de S. João de Saint-Quentin. Exumados em outubro de 1963, descansam agora na igreja de Saint-Martin, construída pelo Padre Dehon em 1890, num subúrbio de Saint-Quentin. E assim terminou a aventura terrena do Servo de Deus, o Padre Leão Dehon.
À notícia da morte do Padre Dehon, numerosas mensagens de condolências chegaram à Congregação. Muitos jornais, sobretudo franceses, italianos, belgas e holandeses, noticiaram a morte do Fundador, muitos deles com uma breve biografia. Merece destaque o artigo de Jorge Goyau -1869-1939 – em “La Libre Belgique” de 9 de novembro de 1925. Primeiro, porque Goyau é um dos mais eminentes representantes do catolicismo francês da época. Historiógrafo, tornou-se, depois da Rerum Novarum de 1891, um dos mais convictos defensores do chamado “ralliement” e do catolicismo social. Depois, porque a História Religiosa da França, de 1922, fará dele um dos eruditos católicos mais apreciados.
No artigo publicado, Goyau faz um apanhado da vida do Padre Dehon, distinguindo um período de apostolado social, “no aglomerado operário de Saint-Quentin, onde se lança num bairro ao serviço dos pobres”; depois, o período da fundação de São João, para dar resposta
“à sede de uma cultura intelectual, que se mantivesse estreitamente ligada às suas [dos jovens] afirmações e às suas aspirações místicas”;
por fim, um período de profunda aspiração espiritual, com a fundação dos Sacerdotes do Sagrado Coração.
É na interpretação dos anos 90, simbolizados nas suas idas a Val-des-Bois, que Goyau deixa transparecer uma visão do P. Dehon, que passava despercebida a muitos dos seus confrades:
“Os sucessivos períodos na vida do Padre Dehon, o seu período social e o seu período místico, parecia que se uniam, se fundiam, nas visitas que gostava de fazer à região de Val-des-Bois. Foi lá, na proximidade dos operários de um patrão cristão como Harmel, que lentamente amadureceu, no pensamento do Padre Dehon, a ideia desse ‘Manual Social Cristão’, que orientou muitas aspirações juvenis nos caminhos da acção social. Ainda estou a ver o Padre Dehon, nesse período, em Val-des-Bois, a expor aos jovens clérigos e aos jovens leigos as grandes linhas da doutrina pontifícia, e a deduzir dela os ensinamentos que alimentavam as suas energias. Majestosa a sua figura, e rigorosa a sua teologia; mas, quando falava, aflorava logo nos seus lábios uma alma terna, que se alimentava da meditação quotidiana, da constante contemplação de uma outra ternura, a ternura do Homem-Deus. Ele era, acima de tudo, como apóstolo social, o discípulo do coração que tinha tido piedade” (in La Libre Belgique, 9.11.1925).
A COMUNIDADE
Hoje, a casa acolhe a Procuradoria das Missões, mas também o Centro Internacional de Formação (CIF), que acompanha os religiosos em formação académica em Bruxelas ou em Louvain-La-Neuve. Em 2007, a Província Congolesa suprimiu a comunidade que funcionava como Procura das Missões. A partir de então, a Província da Europa Francófona e a Confederação da Flandres-Holanda assumiram a responsabilidade da casa como centro de formação.
Atualmente, conta com vários dehonianos de nacionalidades diferentes que desejam obter um diploma universitário em Bruxelas ou na Lovaina.