SAINT-QUENTIN > Padre Leão Dehon
PATRONATO DE S. JOSÉ
O vigário Dehon estava encarregado das escolas. Começou a sua missão reunindo os jovens ao domingo à tarde. A partir de junho de 1872, reunia-se já com uma quarentena de jovens em casa do Sr. Julien, presidente da Sociedade São Vicente de Paulo e confidente do Padre Dehon. No mês seguinte, adquiriu um jardim na Rua des Bouloirs por 20.000 francos, e construiu, provisoriamente, algumas salas de reuniões e uma capela por uns 8.000 francos.
Ajudado por voluntários, entre os quais o Sr. Légrand que seria depois ordenado sacerdote, tomando o nome de Pe. Mathias, o Padre Dehon acolhe os novos adolescentes. Os jovens podiam jogar, cantar, usufruir da “caixa de poupança”, ler, rezar e instruir-se religiosamente.
A 16 de março de 1873 foi inaugurado o oratório do patronato dedicado a S. José.
“O dia bonito do ano foi a 16 de março, dia da primeira Missa na capela. Tinha escolhido o domingo mais próximo da festa de S. José. Foram convidados alguns benfeitores. As crianças fizeram a Comunhão. Eu estava comovido até às lágrimas. Era o primeiro altar que eu levantava a Nosso Senhor. Sempre pensei que era uma grande graça, essa, de Lhe dar mais um altar e, daí em diante, tive muitas vezes esse favor. Mas a impressão desse dia ficou-me sempre e marca um grande dia da minha vida” (NHV 185).
Em 1877, Padre Dehon traz de Roma as relíquias de S. Clemente, um jovem mártir, cujos restos mortais tinham sido descobertos numa catacumba na Via Ápia. As relíquias estavam numa urna de bronze e vidro e foi colocada na capela da escola, antes de serem mudadas para o seminário Saint-Clément, em Fayet.
Aos poucos, o patronato foi sendo ampliado, adquirindo uma maior organização e recebendo sempre novos membros. Ali havia lugar para jogos, bilhar, ginástica e aparelhos, bibliotecas e assinaturas da revista “Petites lectures”, caixa de poupanças onde cada jovem podia depositar e retirar as suas próprias economias… mas também, com certeza, conversas, ensinamentos, orações, celebrações eucarísticas…
É notável a colaboração dos jovens ao lado dos adultos na gestão e na animação, à semelhança de numa organização maior em forma de “círculos”, como na criação do grupo “A conferência da caridade” que reunia, sob a presidência de um deles, cerca de trinta jovens que visitavam as famílias mais desprovidas… A partir de 1874, foram disponibilizados seis quartos no segundo andar “por uma soma irrisória” para jovens cantoneiros. Em janeiro de 1875, o Patronato acolhia 227 membros e 74 “aspirantes”.
Para suportar a obra foi criada uma “comissão protetora das obras católicas de Saint-Quentin”, que reunia algumas das personalidades da cidade, sob a assistência do Padre Dehon.
Esta obra revestia-se de um caráter muito moderno. Muitos dos seus elementos essenciais encontrar-se-iam na fundação da Juventude Operária Cristã (JOC) de 1925, mas também na sua missão atual.
Hoje, do antigo Patronato de S. José, resta apenas o pórtico devidamente identificado, na Rua Émile Zola.
COLÉGIO DE S. JOÃO
Depois de ter fundado o Patronato de S. José, na Rua des Bouloirs, um “círculo católico” para jovens do mundo operário, e ter criado um jornal “O Conservateur de L’Aisne, o Padre Dehon sonha em abrir uma escola para jovens para que, mais tarde, sejam eles os mensageiros da fé e da doutrina social da Igreja.
Tem ainda um outro projeto para esta Escola: sempre se sentiu atraído para a vida religiosa, muito particularmente a partir de junho de 1876, e refletia sobe a fundação de uma congregação religiosa consagrada à difusão do amor do Sagrado Coração de Jesus. Espera que, “debaixo do teto do colégio”, nasçam, entre alunos e professores, vocações religiosas. S. João será como que o berço da Congregação, a que a história de cada uma das obras se ligará.
“A Instituição S. João devia ser o primeiro abrigo da obra. Ela estaria aí como que no Egipto, no meio da agitação e dos estudos demasiado pagãos de um colégio, mas encontraria a sua Nazaré no ano seguinte na Casa do S. Coração” (NHV 172).
D. Thibaudier, bispo de Soissons, tem em mente fundar um colégio diocesano em Saint-Quentin. Aprova a escola e, no dia 13 de julho de 1877, autoriza a fundação da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus de Sain-Quentin.
Era preciso encontrar uma escola a restruturar e desenvolver. O negócio é feito com o Sr. Lecompte, que possuía um colégio situado na Rua des Arbalétriers. A 15 de agosto de 1877, na Semana Religiosa é anunciada a fundação do Colégio S. João de Saint-Quentin. Com grande parte dos seus bens, o Padre Dehon adquire a escola, inicia os trabalhos e compra as casas ao lado. Num artigo de ‘Semaine Religieuse de Soissons’, de 11 de agosto de 1877, lê-se:
“Saint-Quentin, Instituição S. João. O estabelecimento de ensino que o Sr. Lecompte possui nesta cidade está para receber um novo impulso sob o nome de Instituição S. João. O ensino será assegurado por um grupo de eclesiásticos, sob o patrocínio do Bispo de Soissons. São pessoas que adquiriram experiência de ensino após muitos anos de docência… A distribuição dos Prémios da pensão Lecompte teve lugar sábado, na presença de um público numeroso e simpático. O Rev.do Dehon falou da educação cristã e o Senhor Presidente deu as boas-vindas à nova instituição” (Semaine Religieuse de Soissons, 11.08.1877).
O ano escolar começa a 1 de setembro de 1877, com cerca de 20 professores e auxiliares. Uma dezena são sacerdotes.
“Os primeiros anos foram particularmente lindos, ativos, prósperos, alegres e fecundos para a formação cristã dos jovens. A abertura das aulas ultrapassou as nossas esperanças. O refeitório tornou-se demasiado pequeno. Os dormitórios estavam cheios. Tínhamos ânsia de nos engrandecer e começámos a cobiçar as casas vizinhas. A capela ia-se concluindo demasiado lentamente para o nosso gosto. O grupo de mestres e de alunos vindos de Laon formou a melhor base da casa. Os alunos do Sr. Lecompte precisavam de ser formados. Várias pessoas pensavam que eu teria feito bem em não continuar essa casa mas comprar um terreno mais vasto. A crítica é fácil. Mas eu não tinha posses para comprar. Começava a obra com 500 francos no bolso. Com o Sr. Lecompte, eu alugava a casa com a promessa de venda, era mais fácil. As nossas boas Irmãs vieram ajudar-nos para a parte material. Encarregavam-se da cozinha e da rouparia. Foi um grande complemento. Trouxeram para a casa, a ordem, a limpeza e um tom de caridade e de doçura que fazia dela realmente uma casa cristã, uma casa de Deus. Devo uma gratidão imensa a duas irmãs em especial que me testemunharam uma dedicação infatigável: a Irmã Maria Oliva e a Irmã Maria Clara. Só Deus pode recompensá-las. Quero também, de passagem, prestar justiça a uma piedosa mulher, a Sra. Guillaume Irlande, que prestou serviço à casa durante longos anos, testemunhando-me uma grande dedicação” (NHV 21 VII).
O COLÉGIO S. JOÃO HOJE
Depois da fusão com o Institute La Croix, estabelecimento para jovens raparigas, dirigido pelas Irmãs da Cruz, em 1975 o complexo escolar, conhecido como “Saint-Jean et La Croix” tornou-se um centro educativo que reúne, hoje, cerca de 2.400 alunos.
A regra educativa pode ser resumida nesta frase: “Permitir que cada jovem dê o melhor de si”. O ensino tem como objetivo desenvolver os talentos de cada um através de uma educação que respeite a pessoa integralmente e propor um sentido para a vida do homem e da mulher, iluminados pelo Evangelho e pelo dom de amor de Cristo, artífice de Unidade e da Justiça. O estabelecimento abre-se a todos, cristãos ou não, que aceitem este projeto.
O que resta do tempo do Padre Dehon?
Podem-se ver:
- o pátio; uma estrela no sítio da primeira capela, com um coração proveniente do edifício antigo reconstruido pelo Padre Dehon depois do incêndio de 1881;
- a estátua de Nossa Senhora que se encontrava no pátio;
- o edifício da Rua des Arbalétriers, reconstruido pelo Pe. Falleur e inaugurado por D. Binet, na presença do Padre Dehon em 1924;
- o Salão Grande, dentro do edifício. Como obras mais recentes: um busto do Padre Dehon, obra de J. Topin;
- o monumento aos antigos alunos mortos na guerra;
- a “Cruz Dehoniana”, no átrio de entrada, feita de madeira de oliveira e que fora oferecida em julho de 1995, pelos “Jovens Dehonianos” participantes no encontro em Saint-Jean et La Croix.
O objectivo actual do Colégio Saint-Jean et La Croix está conforme o pensamento do Padre Dehon de inserir a formação da juventude no quadro do projeto de sociedade, sendo o colégio parte integrante do seu empenhamento social:
“…Por outro lado, sabemos como ele anda sempre preocupado com os problemas sociais. Não será que o colégio representa uma das soluções radicais para os problemas de então? Destinado a educar a elite intelectual e industrial da região, não oferecia ele uma oportunidade única para formar os dirigentes do amanhã na prática da justiça e da caridade cristã?” (Dorresteijn, Vie et personalité du Père Dehon, p. 114).
De notar que o lema do Colégio é uma frase inspirada no Padre Dehon: Formar um homem do coração para mundo de amanhã (cf. DRD-4, 12).
FUNDAÇÃO DA CONGREGAÇÃO
Depois de se retirar de 16 a 31 de julho de 1877, para redigir as Regras e as Constituições da Congregação, a 28 de junho de 1878,o Padre Dehon professa os seus primeiros votos na presença do arcipreste Mathieu, delegado do Bispo, provavelmente no oratório das religiosas, num edifício da Rua des Arbalétriers e na presença de algumas pessoas próximas do futuro Pe. Rasset.
Os começos da Congregação não foram sem sofrimentos. Contudo, em Saint-Jean, o futuro apresentava-se promissor. No decorrer de uma distribuição de prémios, o Padre Dehon refere:
“Educar um jovem é formar um homem de coração, um homem de sacrifício e de dedicação, que tenha sacudido o jugo do egoísmo” (DRD-4, 12).
Padre Dehon conduzirá a Congregação e o Colégio Saint-Jean com entusiasmo, sem esquecer o seu empenho social e a sua influência no quadro nacional. A partir de 1879, em Saint-Quentin, a situação deteriora-se. Na origem estão novos sofrimentos: rumores, intrigas; pedem-lhe até que funde a sua Congregação com uma mais antiga.
O estatuto do Saint-Jean não está claramente definido. É praticamente propriedade pessoal do Padre Dehon. O bispo de Soissons teme que se perca Saint-Jean e pede que a escola fique propriedade diocesana e que a Congregação fique ao serviço da diocese. Multiplicam-se as intrigas de todos os géneros, inclusive entre o grupo dos religiosos. A 20 de novembro de 1893, o Padre Dehon abandona definitivamente a Instituição São João, “com o coração despedaçado e com os olhos cheios de lágrimas”. Ficará apenas como Diretor legal até 1896. Pela posição que Leão Dehon ocupava na sociedade de Saint-Quentin não podia passar despercebida:
“Com as eleições de 1876, os republicanos ganham a maioria na Câmara dos Deputados. Por influência sobretudo de Gambetta, que, a 4 de maio de 1877, proclama na Assembleia Nacional que ‘o clericalismo é que é o inimigo’, ganha corpo uma política tendente a marginalizar a Igreja da vida pública e de todas as instituições sociais. O primeiro sucesso, nesse sentido, são precisamente os decretos de 1880 que proíbem o ensino a umas trezentas Congregações. A decisão, portanto, de fundar um colégio irá colocar Dehon numa guerra escolar que lhe alienará grande parte da população de Saint-Quentin. Enquanto a obra de São José, de cariz social, granjeava a Dehon consensos, estima e louvor para o seu diretor, com o colégio São João invés todos os republicanos laicos lhe caíam encima” (Yves Ledure, Petite vie de Léon Dehon, p. 98).
O próprio Padre Dehon tem consciência desta mudança na opinião pública:
“Até essa altura, tinha do meu lado toda a gente de Saint-Quentin e da diocese. Era querido na cidade. Passaria depois a enfrentar uma hostilidade persistente. Metade da cidade estava ligada ao liceu. Para toda essa gente passava a ser persona non grata. Os internatos leigos da cidade também tinham, por sua vez, a sua clientela e eu passava a ser um seu competidor. Em Laon, não me perdoaram de ter aproveitado dos despojos da instituição Notre-Dame. Acusavam-me estupidamente de ter sido eu a provocar o seu encerramento. Em Chauny e também em Vervins molestava concorrentes. Sofria muito com isso, pois não tinha temperamento de lutador. Por natureza, era levado a ser bom com todos, e gostava que também o fossem comigo” (NHV XIII, 22s).
A partir de 1901, as congregações começam a ser perseguidas. Alguns religiosos entram no clero diocesano. Em 1903, o Padre Dehon é obrigado a abandonar Saint-Quentin e a ir para Bruxelles. Virá para as reuniões dos ex-alunos quando o Colégio Saint-Jean se tornar uma obra diocesana. Regressará a Saint-Quentin, para a Maison du Sacré-Cœur, em agosto de 1914, até à sua retirada em 1917.
O último aluno que conheceu o Padre Dehon foi o Pe. Jean Deplus, Sacerdote do Coração de Jesus de Saint-Quentin, que faleceu em Mougins a 5 de junho de 2009.
O PACTO DE AMOR
Na primeira carta à Congregação, Mons. Filipe, segundo Superior Geral, referindo-se aos acontecimentos da morte do Fundador, diz ter encontrado, logo após a morte, o seguinte seu manuscrito:
“Meu Jesus, perante Vós e o vosso Pai do céu, na presença de Maria Imaculada, minha Mãe, e de S. José, meu protetor, faço voto de me consagrar por puro amor ao vosso Sagrado Coração, de dedicar a minha vida e as minhas forças à obra dos Oblatos do vosso Coração, aceitando de antemão todas as provações e todos os sacrifícios que Vos aprouver pedir-me. Faço voto de dar a todas as minhas ações a intenção do puro amor a Jesus e ao seu Sagrado Coração. Peço-Vos que movais o meu coração e o inflameis do vosso amor, para que, não somente tenha a intenção e o desejo de Vos amar, mas também a alegria de sentir que, por acção da vossa divina graça, todos os afetos do meu coração em Vós exclusivamente se concentram”.
Mons. Filipe deu a este texto do Padre Dehon o título de ‘Pacto de Amor’. Depois desta “consagração”, refere ainda Mons. Filipe, vinha uma renovação quotidiana, nos seguintes termos:
“Ó meu Jesus, inflamado de amor, renovo o pacto que fiz convosco. Concedei-me a graça de ser-lhe fiel”.
No envelope que contém esse precioso documento, estava escrito:
“Amicitiam tuam pretiosam pauperculo tuo discipulo reddere non dedigneris. Domine, fiat, fiat!” [Não desdenheis, Senhor, de conceder a vossa preciosa amizade ao vosso paupérrimo discípulo. Faça-se! Faça-se!].
Não se sabe quando é que o Padre Dehon escreveu este texto e em que ano estabeleceu este
‘Pacto com Nosso Senhor’. Que o Padre Dehon o tenha feito na altura da sua primeira profissão, é uma ideia sugestiva, mas, faltando provas, não passa de uma hipótese (Citação da primeira carta circular de Mons. Filipe, nn. 29 e 30).
TESTEMUNHOS DO PADRE DEHON
Em quatro cadernos – inéditos – o Padre Dehon descreve, de forma mais pessoal e pormenorizada que nas Notes Quotidiennes, o que aconteceu em Saint-Quentin, desde 1914 até à retirada em 1917. Com o título “A Instituição São João”, lemos o seguinte:
“Durante esse tempo, o que aconteceu à nossa querida casa de São João? A parte alta, que dá para a Rua Arbalétriers, manteve-se em funcionamento, com alunos até à véspera da evacuação. A parte baixa, que dá para a Rua António Lécuyer, foi transformada numa enfermaria para os pobres soldados vítimas do canhão, ou seja, tornou-se num manicómio. Os alemães reestruturaram-na a seu gosto. Construíram barracas no pátio para servirem de cozinha e de dispensa e, no primeiro andar, tiraram as divisórias das salas de aula para fazer um dormitório.
A capela continuou aberta ao culto durante muito tempo, com os protestantes a utilizá-la alternadamente com os católicos nos seus serviços. Por fim, a pobre capela tornou-se numa camarata. A casa Michel foi destinada aos oficiais doentes. O Padre Ronchaussé aproveitou bem do que restava da casa. Tudo servia para salas de aula: o salão, a biblioteca, a sala dos professores. Chegou a ter uma centena de alunos. Dois professores padres… e muitos leigos… O professor de alemão, o Sr. Kielwasser, tirava bom proveito da sua habilidade, servindo de intérprete na solução dos problemas de vizinhança com a enfermaria.O estado da casa era lastimoso.…O capelão alemão considerava-se inspetor escolar e vinha ver o que se passava. O catecismo era dado com esmero.O Padre Ronchaussé pregava aos seus alunos um retiro ao voltarem de férias, e outros dois para a primeira Comunhão, na capela do Sagrado Coração.Houve momentos de angústia. Muitas vezes houve que destinar à enfermaria uma inteira parte que nos tinha sido deixada.Muitos professores, mais enervados que os outros, frequentemente se deixavam levar pelo pânico, correndo para a cave, apenas ouviam o rumor dos aviões ou o troar das bombas.O Padre Ronchaussé tinha armado um altar no meu antigo escritório, no primeiro andar. E eu rezava ali com emoção” (Arquivo Dehoniano, Inv 0067600, provavelmente escrito após a retirada de Saint-Quentin, em 1917).
AS IRMÃS SERVAS
A Congregação das Irmãs Servas do Coração de Jesus foi fundada por Marie Rosalie Oliva Ulrich – Irmã Maria do Coração de Jesus –, em Strasbourg, a 21 de outubro de 1867, tendo como finalidade:
“uma vida de puro amor e de imolação em espírito de reparação para com o Coração de Jesus, em inteira doação de todas as suas orações e obras a este divino Coração e pelo zelo em fazê-lo amar e consolar”.
A atividade da Congregação estava essencialmente dirigida para o acolhimento e o acompanhamento de jovens raparigas pertencentes a ambientes populares.
Terminada a guerra franco-prussiana de 1870, a Alsácia é incorporada na Alemanha. Para as irmãs, “o seu pais natal tornava-se uma terra de exílio”. O padre jesuíta A. Jenner, diretor espiritual da fundadora e que se encontrava em Liesse, serviu de intermediário com a diocese de Soissons para que a Congregação se encarregasse do pensionato de Molain, próximo de Wassigny, no Aisne.
As irmãs são acolhidas em julho de 1873 pelo arcipreste de Saint-Quentin, Pe. Gobaille, que lhes destina um lugar na Rua Saint Louis, hoje Rua Félix Faure. A 6 de janeiro de 1874, as irmãs estabelecem-se numa casa provisória, enquanto se constrói um novo convento na Rue de Paris, numa propriedade que acabavam de comprar, com um grande jardim, no qual construiriam também uma capela provisória em madeira, por falta de meios, que duraria até 1918. É aí que a Madre Ulrich conhecerá o Padre Dehon, vigário de Saint-Quentin, que virá a tornar-se confessor e conferencista da comunidade.
Com o andar dos anos, crescia a estima e a colaboração entre o Padre Dehon e a Madre Oliva Ulrich. Esta viria, juntamente com a sua comunidade, e especialmente com a irmã Marie Ignace, a ocupar um lugar importante nas orientações espirituais da Congregação que fundaria.
“Tinha uma atração especial pela vida religiosa – escreverá o Padre Dehon – Mas Nosso Senhor esperava-me em Saint-Quentin para colocar-me em contacto com as nossas irmãs… Junto destas irmãs encontrava o meu caminho e D. Thibaudier aprovava os meus projetos de fundação” (HQ VI 43).
Erros de avaliação por parte do Padre Dehon, no que dizia respeito às “luzes de oração” que haveria tido uma religiosa, Marie Ignace, colocariam em perigo a própria fundação. Guardará, contudo, sempre uma profunda estima por estas religiosas desde a primeira hora, às quais escreverá no termo da sua vida:
“Éramos três para a grande fundação dos Sacerdotes do Sagrado Coração: a cara Irmã, você [Marie Ignace] e eu… Mas a nossa obra era muito divina: foi Nosso Senhor que fez tudo. Suportou todas as imperfeições” (Cartas de 2 e 25 de julho de 1925).
As Irmãs Servas, “as nossas irmãs”, ajudavam espiritual e materialmente o Padre Dehon nas suas obras. Empenharam-se na aquisição e na abertura do Colégio Saint-Jean. Foram preciosas assistentes no patronato da Rua des Bouloirs, tal como na escola Saint-Clément, em Fayet; depois, em Val-des-Bois, em 1882; em Clairefointaine, em 1888; em Sittard, em 1889. “Sempre e em toda a parte as nossas irmãs se revelarão colaboradoras” e de uma extraordinária devoção, anotará o Padre Dehon.
A CASA DO SACRÉ-COEUR
Em agosto de 1878, as Religiosas Servas do Sagrado Coração compram, à família Hibon, uma casa situada no ângulo entre a Rua Richelieu e a Rua Royale. Depois da guerra, as ruas tomam os nomes dos irmãos Dessains e Antoine Lécuyer, que ainda hoje se mantêm.
Após um acordo com o Padre Dehon, o imóvel é cedido ao novo instituto para ser transformado em noviciado. Podia ele, assim, assumir a responsabilidade de superior do Colégio São João e de mestre de noviços.
A 14 de setembro de 1878, os padres Dehon e Rasset e um irmão estabelecem-se no prédio, dando-lhe o nome de “Maison du Sacré-Coeur”. Será esta a primeira casa religiosa da Congregação, onde serão formados pelo próprio os primeiros noviços. Durante vários anos, até 1903, foi a “Casa Mãe” e a sede da Cúria Geral. Esta casa já não existe. Uma planta da casa, bem como uma sua foto original, podem ser vistas na comunidade da Rua Picardie 42.
A 9 de novembro de 1902, prevendo a dissolução das congregações religiosas por parte do governo liberal, Padre Dehon manda os seus religiosos, com os documentos e os objetos de culto, para Bruxelas e Quèvy.
Os padres Dehon e Blancal, este último doente e impossibilitado de se deslocar, e Mons. Martinien Objeois, ficam sós na casa. Segue-se uma causa judiciária com o Estado que permite a Padre Dehon salvar o essencial, mas a casa em que estavam e a de Fourdrain seriam perdidas.
Em 1930, os padres, regressados do exílio, alugam uma casa no número 3 da Rua du Moulin, a que dão o nome de “Maison du Sacré-Coeur”. Foi fechada aquando da retirada de 1940. Esta casa existe ainda hoje com algumas modificações, mas sem qualquer relação com o Instituto.
A CASA DA RUE DE PARIS
A 19 de março de 1875 foi colocada a primeira pedra da casa da Rue de Paris. A 19 de junho do ano seguinte era benzida a casa pelo então arcipreste de Saint-Quentin, Mons. Mathieu, sucessor do Pe. Gobaille.
A 31 de julho de 1877, as Irmãs Servas do Coração de Jesus obtêm a autorização canónica para se fixarem como comunidade religiosa. A 1 de novembro de 1878, foi autorizada a adoração perpétua na capela uma vez por semana e, de 1900 até 10 de março de 1917, todos os dias. A ocupação alemã integrou Saint-Quentin na linha de Hindenbourg, obrigando a população civil a fugir para a Bélgica. As irmãs retiraram-se para um colégio, em Soignies, na Bélgica.
Foi para a casa destas irmãs, na rua de Paris, que o Padre Dehon se retirou de 16 a 31 de julho de 1877 para redigir as Regras e as Constituições da sua Congregação.
Lugar de adoração eucarística quotidiana como sua missão primordial, a casa da Rua de Paris acolhia, durante um tempo, jovens raparigas de famílias de barqueiros e, mais tarde, crianças confiadas pelos juízes. As crianças recebiam instrução nas escolas da cidade e no externato Notre-Dame.
A necessidade de realizar novos trabalhos na estrutura para obedecer às normas dos edifícios destinados a acolher crianças e a falta de irmãs especializadas em educação obrigaram a Congregação a pôr termo a esta obra em Saint-Quentin. As irmãs deixariam definitivamente a cidade em 1972.
Hoje, a Congregação das Irmãs Servas do Coração de Jesus tem cerca de quarenta religiosas, presentes em oito comunidades de cinco países.
Fiéis à nossa história comum e sempre num espírito de colaboração, além da comunidade de Merkelbeek, na Holanda, as irmãs estabeleceram-se, em 1956, nos Camarões, concretamente em Nkongsamba e Bafoussam; depois, em Urda, na Espanha, em 1962 e, no ano 2000, em Antsirabe, Madagáscar.
A sua primeira missão é a adoração eucarística quotidiana; dedicam-se também a atividades paroquiais e profissionais. Em França, têm três casas: Scy Chazelles, em Moselle, a Casa Mãe; Merlebach, também em Moselle, e Dauendorf, na Alsácia.
PARÓQUIA DE SAINT-MARTIN
ORIGENS
A 15 de fevereiro de 1888, D. Thibaudier, bispo de Soissons, escreve ao Padre Dehon, Superior geral, pedindo que crie, em Saint-Quentin, juntamente com os seus padres, a paróquia de Saint-Martin.
“Nunca deixo de pensar no quarteirão de Saint-Martin com uma emoção dolorosa e sem me perguntar se não terei que dar contas do desleixo religioso de uma população considerável de Saint-Quentin. … Se me dirijo a vós é porque os Sacerdotes do Sagrado Coração me parecem providencialmente indicados para fundar e dirigir o equivalente a uma paróquia, neste quarteirão… Seria preciso comprar um terreno, no nome de privados, e aí estabelecer uma Missão provisória, sob o título de Saint-Martin do Coração de Jesus; dar ao estabelecimento uma jurisdição conveniente com a aprovação do pároco e da Fábrica de Saint-Quentin; atribuir ao padre diretor o título de vigário da Basílica e fazer o bem com esta precária organização, esperando tempos melhores. Um dos vossos padres, entre os melhores e mais capazes, nunca será demais para uma obra destas. Dar-vos-ei uma ampla autorização para os peditórios. A primeira coisa a fazer seria vender a propriedade do Sr. Genty; a segunda, comprar, com todos os fundos angariados em precedência, um terreno bem situado e suficientemente amplo”.
Para o Padre Dehon
“é um sinal de confiança e uma graça, ao mesmo tempo que um encargo para nós”.
A IGREJA
A partir de 7 de março de 1888, Padre Dehon procura um lugar estratégico para a construção de uma igreja paroquial. A 20 de abril encontra um terreno de 1.562m2, situado entre a Rua de Ham e a Rua de Paris, pertencente a uma família de Saint-Quentin bem conhecida na Igreja, [simplesmente vírgula] o Sr. Pierre Louis Agombart e, sua irmã, Adèle. O Padre Dehon escolhe o arquiteto Bénard para “fazer os planos de um edifício gótico”.
A 17 de junho de 1889, iniciam os trabalhos de nivelamento do terreno. Padre Dehon encarrega o Pe. Augustin Léon Herr, Sacerdote do Sagrado Coração da comunidade de Clairefontaine, na Bélgica, de recolher as ofertas para a construção da igreja, de que será também o primeiro responsável. O Pe. Herr será ajudado nesta tarefa pela família Desjardins, pela Grande Charteuse e pela baronesa de Gargan.
A 18 de setembro de 1889, diante do notário Julien, em Saint-Quentin, os padres Dehon, Falleur e Herr assinam o contrato de compra.
A 29 de setembro, Mons. Duval benze a primeira pedra. Para avançar com as obras, o Padre Dehon organiza diversos peditórios pela França, contando com a ajuda dos alunos da Escola Apostólica de Fayet, entre os quais se encontra o irmão Joseph Philippe, seminarista, professor em estágio no Seminário de Saint-Clément e que será, depois da morte de Padre Dehon, Superior Geral e, mais tarde, bispo do Luxembourg.
Em 1894, o Pe. Lobbé é nomeado assistente do Pe. Herr para organizar a futura paróquia. A 11 de novembro de 1895, a casa religiosa “Igreja Saint-Martin” é oficialmente erguida na Rua da Picardie. A 15 de agosto do ano seguinte, terminados os trabalhos maiores, o Pe. Lobbé sucede ao Pe. Herr e celebra, pela primeira vez, a missa na igreja de Saint-Martin.
O Padre Dehon, doutor em direito civil, tendo conhecimento das leis contra as congregações religiosas e de modo a proteger o património da igreja, decide atribuir o direito de propriedade de Saint-Martin a uma comissão da qual fazem também parte alguns leigos. A 31 de dezembro de 1897, diante do notário Dhevilliers, em Saint-Quentin, o Padre Dehon confia a propriedade da igreja ao cónego Pignon, arcipreste de Saint-Quentin, e a dois leigos, os senhores L’Hotte e Arrachart. Sob a responsabilidade desta comissão, os trabalhos da igreja continuam a ser realizados.
A 12 de outubro de 1907, D. Péchenard, bispo de Soissons, eleva Saint-Martin a paróquia e nomeia, a 4 de novembro, o Pe. Lobbé como pároco. Terminados os trabalhos, virá, a 1 de junho de 1913, consagrar solenemente a igreja de Saint-Martin.
RECONSTRUÇÃO
A igreja foi significativamente danificada pelos bombardeamentos da Primeira Guerra Mundial. Em 1920, sob o impulso de Mons. [usaria o “de” e a abreviatura] Delorme, vigário geral da diocese de Soissons, têm início a obras de restauro da igreja. A 29 de janeiro de 1922, Mons. Binet benze e abre ao culto o coro e uma parte da nave restaurada. Benze também o primeiro sino, de 320 kg, que contém a inscrição “Marie Pierre Quentine Marguerite”, instalado na torre direita.
A lei das finanças de 1926 concede que os imóveis afetos ao culto e que pertençam a particulares sejam atribuídos a associações diocesanas. A partir do dia 20 de julho de 1926, diante do notário de Soissons, Sr. Fleury, a igreja de Saint-Martin passa a propriedade da Associação Diocesana, representada pelo Mons. Delorme, Vigário Geral da diocese.
Os trabalhos prosseguem até 20 de outubro de 1929, altura em que Mons. Mennechet consagra o altar principal restaurado, e, no mês seguinte, a 16 de novembro, regressa para benzer mais três novos sinos.
A igreja de Saint-Martin é uma das maiores da diocese: com 68 metros de comprimento, por 21,60 de largura. A torre sineira, de 9 metros de largura, eleva a sua cruz a mais de 60. O seu transepto é composto por três naves com a mesma altura, formadas de doze arcadas, cada uma.
Em 1931, o Pe. Lobbé, pároco, pede a demissão. Vem a falecer a 22 de novembro de 1933, em Saint-Quentin. O clero diocesano assume a responsabilidade da paróquia com o Pe. Mouflard, até à sua morte, a 14 de janeiro de 1939, seguindo-se o Pe. Quennesson.
A igreja de Saint-Martin guarda no seu interior, ao fundo e à esquerda de quem entra, a placa que indicava o lugar do altar da primeira capela do Colégio de Saint-Jean e depois removida durante a renovação das instalações. Aí pode ler-se:
“juxta hunc locum per annos …liii in altari incruento agnus dei cotidie immolatus est ipse offerens ipse et oblatio. Hunc lapidem in perennem rei memoriam collegii sti joannis sodales anno domini dcmxxxiv posuere”.
NO CORAÇÃO DOS ARREDORES
Em 1943, o bispo de Soissons propõe que os Sacerdotes do Coração de Jesus assumam novamente a paróquia. A 25 de dezembro de 1944, são nomeados os padres Paul Legay e Jean Enard para pároco e vigário, respetivamente. O Pe. Duhamel fará também parte desta comunidade, residindo no nº 71 da Rua de Paris.
A 30 de setembro de 1949, o Pe. Rey é nomeado pároco de Saint-Martin e os padres Duhamel e Forrat seus vigários. Com os outros párocos da cidade de Saint-Quentin, o Pe. Rey dá-se contra da separação entre a Igreja e a classe operária e torna-se um dos protagonistas da missão operária em Sant-Quentin e em toda a diocese.
Em 1956, a comunidade instala-se no 42 da Rua de Picardie. Nos anos 1957-1958, “a missão” renova toda a pastoral da cidade, privilegiando a evangelização nos ambientes sociais. Neste contexto, é criada a “comissão mundo operário”, a que preside o Pe. Rey com a participação, entre outros, do Pe. René Baube, capelão federal da JOC (Juventude Operária Católica) e Pe. Roger Panier, capelão da ACO (Ação Católica Operária) . O Pe. Rey morre a 8 de julho de 1959.
Pe. Marcel Deloddère sucede o Pe. Rey em setembro de 1966. O projeto do Pe. Rey continuará com a comunidade religiosa, com particular atenção na estruturação da missão operária. O Pe. Jean Bosser trabalhará também nesta missão desde setembro de 1955, continuando a implantar a JOC e a ACO na paróquia, ocupando-se, de igual maneira, das demais questões paroquiais. Prosseguirá apoiando a diocese, nos anos 1962-1967, como capelão diocesano da JOC.
SEMINÁRIO SAINT-CLÉMENT
Em 1882, o arcipreste de Saint-Quentin, Pe. Mathieu, compra uma casa de campo à Senhora Gourdin para pô-la à disposição do Padre Dehon, superior do Colégio S. João, a fim de acolher, durante as férias, alguns alunos do colégio que não tinham a possibilidade de ir a casa. O Padre Dehon, porém, tinha em mente fundar, perto das obras de Saint-Quentin, uma espécie de pequeno seminário para o Instituto.
Depois de alguns trabalhos de melhoria, levados a cabo pelos mais velhos durante o verão, em outubro de 1882, juntam-se os rapazes provenientes de Lyon, de la Loire, e de l’Est, enviados pelas Irmãs Servantes. Saint-Clément estava fundado, em Fayet, nos arredores de Saint-Quentin, a cerca de 4 km do Colégio S. João. A autorização do início académico de uma escola foi concedida para o dia 21 de novembro de 1882, assumindo o cargo de superior, o Pe. Thaddée e, logo de seguida, o Pe. Falleur.
O próprio Padre Dehon presidirá várias vezes à consagração de alguns alunos, que para a ocasião vestiam uma alva decorada com um coração. Eram chamados os “pequenos clérigos do Sagrado Coração”.
Em 1890, um dos primeiros superiores, o Pe. Mathias Legrand, mandou construir, graças às ofertas dos benfeitores, um edifício sólido e espaçoso. O processo culminou, dois anos mais tarde, com a inauguração da capela que recebeu as relíquias de São Clemente.
O Padre Dehon tinha trazido de Roma as relíquias deste jovem mártir, encontradas numa catacumba, na Via Ápia. Essas estavam, desde de 1877, na capela do Patronato S. José que o Padre Dehon tinha fundado na Rua des Bouloirs, em Saint-Quentin. Eram agora trazidas para a nova capela da escola, que assumia o nome do Santo, cujos restos mortais acolhia. A capela e as relíquias viriam a ser completamente destruídas em março de 1917 com os bombardeamentos alemães.
A 19 de dezembro de 1893, Padre Dehon celebra nesta capela as suas bodas de prata sacerdotais.
A 1 de abril de 1903, por uma decisão do governo de E. Combes, o Padre Dehon é informado de que a
“sua congregação está dissolvida de pleno direito e que todos os seus estabelecimentos devem ser fechados… nos prazos determinados pelo perfeito do departamento”.
Saint-Clément, em Fayet, deve portanto fechar as portas. O Pe. Mathias é obrigado a mandar os alunos para Brugelette, na Bélgica, para uma propriedade posta à disposição da escola por uma família belga. A escola vai funcionar aí durante cinco meses, até se instalar a Manage, um pequeno castelo perto de Ath, até 1907. Saint-Clément será transferida depois para Mons, entre 1907 e 1919; de seguida, para Thieu, até 1924 e, por fim, para Blaugies, até 1929, com uma centena de alunos. Após este período, regressam a França, a Viry Chatillon, na região parisiense, onde a escola acolherá regularmente cerca de 200 alunos antes de fundir-se com um outro estabelecimento de ensino livre e passar, já nos anos 80, para a responsabilidade da diocese de Corbeil.
Hoje, a aldeia de Fayet conserva piedosamente os restos do pórtico da capela, cuidadosamente restaurados pelo município.
EFEITOS DA GUERRA EM FAYET
Refere o Pe. Ducamp, recordando os efeitos da guerra:
“Em Fayet não ficou pedra sobre pedra… só um lanço de muro da fachada, que se vê nas nossas gravuras, e uns pedaços de pavimento que dão a entender que, em tempos, houve ali construções” (Ducamp, Le Père Dehon et son oeuvre, p. 492).
E nas suas notas sobre os efeitos da guerra em Saint-Quentin, diz o Padre Dehon:
“Durante esse período, que aconteceu a Fayet? O Padre Matias teve aí o seu bom quinhão de dificuldades. A sua casa era constantemente invadida. Os víveres desapareciam; queimavam-lhes… as madeiras e as vedações. Conseguiu salvar a capela. Um dia, porém, transformaram-na num depósito de milho. O Presidente da Câmara tinha-a assinalado ao invasor, mas fomos logo tratar com a autoridade militar, através do Padre Raimundo, e a capela foi salva.
Vivia lá o Padre Comte, que fazia as vezes de pároco. Em circunstâncias favoráveis, teve pleno sucesso. Quase toda a paróquia voltou a praticar a religião. O ‘institutor’ cantava na missa e o adjunto assistia. Até o Presidente da Câmara comparecia nas festas grandes.Havia porém um vizinho de São Clemente que teimava em arranjar a sua horta o domingo todo. Vá agora ver como está a sua tão asseada horta! O Padre Matias perdeu o seu irmão, que era pároco de Uvillers. Obteve, mas a custo, licença para ir ao seu funeral.… Ia a Fayet de quinze em quinze dias. Davam-me um passe. Ia a pé, pois em Saint-Quentin já não havia nenhum carro.
Nos últimos meses, deixaram de me dar o passe. Os nossos estudantes de Fayet também recebiam passes para vir às aulas a Saint-Quentin. Emprestavam-se esses famosos passaportes; os soldados do controle fechavam os olhos e assim as relações mantinham-se frequentes. No fim, toda a Fayet foi evacuada. Aqueles pobres só puderam levar consigo uma pequena mala. Foram levados a Vermand e Beaurevoir para tomar o comboio. Vimos passar na estação o Padre Matias e as Irmãs… Só muitos meses mais tarde vim a saber que tinham sido levados para Noyon e, como os alemães tiveram logo de abandonar Noyon, o bom Padre Matias, admirado de se encontrar em terra livre, foi à procura de pias consolações no Carmelo de Lisieux”(Arquivo Dehoniano, Inv-Nr. 0067600, não publicado).
CEMITÉRIO SAINT-JEAN
O Cemitério de Saint-Jean, em Saint-Quentin, é um lugar histórico para a Congregação, felizmente pouco danificado pela guerra de 1914. Estão aqui sepultados os padres e irmãos: Alphonse Weber, Edouard Broville, Léon Montredon, Bernard Blancal, Frédéric Lambert, Adrien Rasset, Sébastien Roth, Mathias Legrand, Théodore Falleur, Camille Humbert, François Le Gall, Pierre Kinz, Albert Bourgeois (sexto Superior Geral da Congregação, André Blaise, Joseph Pozza, Dominique Jacquemin, Moïse Hecquet, Jean Lombart et Joseph Tapin.
A importância maior deste lugar para a Congregação prende-se com o facto do Padre Dehon ter sido aqui sepultado. As exéquias do Padre Dehon foram celebradas a 17 de agosto, na capela situada na Rua Cattoir. Para a cerimónia, a capela foi decorada com estandartes e cortinas negras. Um grande carro fúnebre foi posto à entrada do coro, onde foram colocadas a sobrepeliz e a estola do Padre Dehon. Depois da absolvição dada por Mons. Micara, Núncio Apostólico, acompanhado por D. Grison, o féretro foi levado para Saint-Quentin e colocado na capela do Colégio Saint-Jean, onde, a 19 de agosto, teve lugar o último rito fúnebre e a sua sepultura.
O luto foi acompanhado por D. Binet, na presença de D. Grison, do Pe. Joseph Philippe, futuro Superior Geral, e dos membros da família do Padre Dehon. Às 10h00 o cortejo entrava na basílica. Terminada a missa, D. Binet leu a mensagem do cardial Gasparri dirigida em nome do Santo Padre, o Papa Pio XI. O Padre Dehon foi depois a enterrar no cemitério de Saint-Jean, onde o seu corpo permaneceria por 38 anos, até dia 9 de outubro de 1963. Nesse dia a campa foi aberta, os restos mortais reconhecidos e, depois dos vários procedimentos administrativos e técnicos, depositados num novo caixão. A 20 de outubro os restos mortais do Fundador foram religiosa e solenemente levados e depositados na igreja de Saint-Martin.
TÚMULO DO PADRE DEHON
O corpo do Padre Dehon foi sepultado no dia 19 de agosto de 1925, no cemitério de Saint-Jean, em Saint-Quentin. No dia 9 de outubro de 1963 o seu corpo foi exumado, transferido e depositado, no dia 20 de outubro, num novo túmulo, no interior da igreja de Saint-Martin, em Saint-Quentin.
O caixão do Padre Dehon foi novamente aberto no dia 6 de dezembro de 2004, na presença de D. Marcel Herriot, bispo de Soissons, dos padres Claudio Weber, Conselheiro Geral do Sacerdotes do Coração de Jesus; o Paul Birsens, Superior Provincial da Província francófona; Martinez de Alegría, Postulador Geral, e de alguns membros da comunidade de Saint-Martin, para “reconhecimento dos restos do venerável Leão Dehon” em vista da sua beatificação. Alguns fragmentos dos seus ossos foram recolhidos pelo padre postulador e levados para Roma a fim de serem apresentados no dia da sua beatificação. Hoje, essas relíquias do fundador encontram-se guardadas no Museu Padre Dehon, na Casa Geral, em Roma.
RESTOS MORTAIS DO PE. ANDRÉ PRÉVOT
A 13 de junho de 2023 fez-se a transladação dos restos mortais do Servo de Deus, Pe. André Prévot de Asten (Países Baixos) para a Igreja de Saint-Martin, em Saint-Quentin.
O Pe. André Prévot nasceu em Le Teil (sul de França), tornou-se sacerdote em 1865, membro da diocese de Aix, onde desenvolveu iniciativas pastorais que atraíram a população da cidade. Mas a sua vocação era a vida religiosa. Após uma experiência inicial com os Jesuítas em Aix-en-Provence em 1860, entrou finalmente para a Congregação dos Sacerdotes do Coração Jesus. A 22 de setembro de 1885 emitiu os primeiros votos, em Saint-Quentin. No ano seguinte foi escolhido pelo Fundador como superior e mestre do noviciado de Sittard (diocese de Roermond), nos Países Baixos. Desempenhou um papel tão importante na vida e na história da Congregação que o próprio Fundador não hesitou em apelidá-lo como “seu filho digníssimo”, “o reparador por excelência”. Em carta datada de 21 de março de 1923, dirigida a toda a Congregação, anuncia que
“o nosso Santo morreu. […] O Padre Prévot foi mais do que eu o fundador da nossa Congregação”.
Durante os vinte e dois anos da sua missão como formador das primeiras gerações de Dehonianos, teve mais de 600 noviços nos quais deixou marcas indeléveis com o seu ensinamento e o exemplo da sua vida.

BEAUTROUX E FOURDRAIN
Beautroux
Em junho de 1887, D. Thibaudier, bispo de Soissons, escreve ao Padre Dehon pedindo-lhe para “assegurar, com os seus [padres], o serviço na Igreja de Saint Eloi de Saint-Quentin durante a doença do Pe. Caplain”. Os padres Rasset e Falleur são encarregados desse ministério. Ao mesmo tempo o bispo de Soissons pede ao Padre Dehon “para estabelecer na sua diocese um noviciado francês”.
O pequeno santuário de Beautroux, perto de Saint-Quentin, dedicado ao Sagrado Coração de Jesus Penitente, pareceu ao Padre Dehon o lugar indicado para fundar o noviciado, pedido pelo bispo de Soissons. O noviciado é benzido e aberto a 11 de setembro de 1887. A direção foi confiada ao Pe. Rasset, mas depressa os espaços tornaram-se demasiado pequenos e foi preciso escolher um outro lugar.
Hoje, existe ainda a capela de Beautroux, mas é de difícil acesso, fazendo parte de uma propriedade privada.
Fourdrain
O castelo de Fourdrain encontrava-se à venda em “condições muito vantajosas”. A aquisição foi feita no ano escolar 1887-1888, sendo o Pe. Rasset nomeado para superior e mestre de noviços. Beautroux deixa de ser noviciado da Congregação e transfere-se para Fourdrain.
A 6 e 7 de setembro de 1893, celebra-se aí o III Capitulo Geral, onde o Padre Dehon “demitia-se humildemente das suas funções para deixar aos capitulares a plena liberdade das suas decisões e dos seus votos”.
Depois deste Capítulo e de um retiro de um mês a Braine, no sul de Soissons, em casa dos jesuítas, o Padre Dehon deixa definitivamente, a 20 de novembro de 1893, a direção do São João e passa a dedicar-se totalmente à Congregação que havia fundado à sombra do Colégio S. João.
Em 1897 a casa de Fourdrain transformou-se em “casa de repouso”, sem a presença de religiosos do Coração de Jesus.
A perseguição religiosa em França, com a lei sobre as associações de 1 de julho de 1901 e a lei da separação da Igreja do estado (E. Combes) de 9 de dezembro de 1905 obrigou o Padre Dehon a lutar contra o Governo para salvar as casas da Congregação, em França. Perdeu todas, mas acabou por voltar a comprá-las, exceto esta de Fourdrain.
Em 1905, a casa de Fourdrain deixa de figurar no património da Congregação. Hoje pertence à família Brancas, uma família aristocrática francesa.
AMIENS
Cidade do nordeste de França, capital do departamento de Somme, localizado na margem esquerda do rio Somme. A antiga Samarobriva – o nome, de origem celta, significa provavelmente “ponte sobre o Somme” – foi mencionada pela primeira vez por César em 54 a.C. (De bello Gallico, V, 24, 19). Foi habitada pelos gauleses ambianos, que provavelmente aí se estabeleceram entre o século IV e o século II a.C. Não há evidências de que a cidade tenha sido refundada pelos romanos. O seu desenvolvimento parece ter sido gradual, embora rápido. Da cidade romana, que durante a conquista da Britânia, iniciada por Cláudio, se tornou um importante ponto de passagem e abastecimento, foram identificados a rede viária, algumas necrópoles do período imperial, como as da cidadela e do subúrbio de Saint-Acheul (onde os Agostinhos se estabeleceram em 1185), o fórum, situado perto do anfiteatro, correspondente ao Hôtel de Ville (Câmara Municipal), e as termas, correspondentes à rue de Beauvais.
No século III d.C. a cidade, que tinha sofrido uma contração da zona habitada, foi dotada de uma muralha. A tradição remonta o primeiro bispo, São Firmino, a este período. Firmino, Mártir, a quem sucederia São Firmino, Confessor, apesar de o primeiro bispo documentado em Amiens tenha sido Eulógio, que esteve presente no Concílio de Colónia em 346. Após a destruição da cidade, levada a cabo pelos Francos em 409, os bispos refugiaram-se em Saint-Acheul e voltaram a fixar-se em Amiens apenas no início do século VI, quando já fazia parte definitivamente do reino franco de Clóvis I.
Na cidade foram criados dois núcleos: as possessões do bispo em Saint-Fuscian e a antiga civitas romana (o castelo medieval), onde os condes se estabeleceram. A muralha perdeu, assim, qualquer carácter funcional e o burgo desenvolveu-se fora dela. A cidade foi fortificada em 925. As muralhas deste período podem ter sido construídas já no século VIII, para defesa dos ataques piratas.
Já depois de meados do século IX o poder episcopal e o poder do condado entraram em conflito, mas no século XI os condes da família Valois eram suficientemente fortes para impor a eleição do seu próprio bispo. Durante este período foram lançadas as bases económicas: a norte da cidade, foi criado um novo distrito, protegido apenas pelo Somme, no qual foram construídos numerosos moinhos; em 1073, foi reconstruída a antiga igreja de Saint-Martin-aux-Jumeaux, da qual restam apenas alguns elementos escultóricos, e logo depois foi construída ao seu lado a colegiada de Saint-Nicolas. Este último edifício, demolido no século XVIII, apresentava uma planta cruciforme, três naves e abóbadas de lanceta; a parte mais importante, porém, era constituída pelo portal (iconograficamente semelhante ao da catedral de Senlis e ao perdido da catedral de Cambrai) em cuja arquitrave estavam representadas a Dormitio e a Assunção da Virgem. O tema iconográfico do tímpano é desconhecido, mas provavelmente Cristo e a Virgem em glória foram aí esculpidos.
No início do século XII, a burguesia, apoiada pelos bispos, obrigou os condes a reconhecer a autonomia da cidade e em 1190, com Filipe Augusto, Amiens ficou ligada à coroa, mantendo as suas próprias liberdades municipais. A cidade adquiriu uma considerável prosperidade económica, tornando-se um importante centro de fabrico de tecidos e no século XIII passou a fazer parte da Hansa , constituída por 17 cidades.
No século XIII, as muralhas da cidade do século XII foram ampliadas. O papel estratégico desempenhado por Amiens durante o conflito entre a França e a Inglaterra foi a causa de um enfraquecimento económico, agravado também pela luta entre o rei e Carlos, o Temerário, pela posse da cidade, que estava entre as cidades cedidas ao Ducado da Borgonha com o Tratado de Arras, em 1435. Um incêndio destruiu parte da cidade em 1357. Só com a morte de Carlos, o Temerário, Amiens regressou definitivamente à coroa. Foram então desenvolvidas diversas atividades de construção que muito contribuíram para o progresso da cidade: construção do Chemin de l’Eau (canal artificial que chegava aos bairros mais baixos da cidade a partir do Somme) o Grand Quai, pontes e portões monumentais, incluindo o portão de Montrecu, para o qual Jean la Chapelle esculpiu duas estátuas… Além da catedral, e do campanário erguido em 1117, quase nada resta desse período.
A CATEDRAL
A Catedral de Amiens é um dos mais brilhantes exemplos da arquitetura gótica madura que chegou até nós quase intacta, tendo escapado tanto à fúria da Revolução Francesa como às bombas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial.
A arquitetura segue o caminho traçado por Chartres, mas atinge uma grandeza verdadeiramente singular com os seus 42,30 metros de altura de abóbada e 133 metros de comprimento.
Construção
Amiens é uma cidade rica no norte de França, perto da Bélgica, na região da Picardia, que na Idade Média produzia uma lã muito fina tingida de azul com uma planta específica da região: Isactis tintoria.
A cidade já teve uma igreja românica e uma gótica, construída sobre esta última, mas o incêndio de 1218 destruiu-a. Em 1220, iniciou-se a construção da atual catedral a pedido do Bispo Evard de Fouilloy, uma pessoa enérgica e cheia de personalidade que pretendia uma obra exemplar e magnífica para a cidade. O competente bispo que conseguiu convencer os seus concidadãos e trabalhadores das províncias por ode levava as relíquias em peregrinação, encontra-se sepultado na catedral sob um grandioso túmulo de bronze.
A Arquitetura
A construção da Catedral de Amiens foi relativamente rápida e foi concluída em 1288. Tal como em Chartres e Reims, os arquitetos Robert de Luzarches e Thomas de Cormont construíram um labirinto na nave central. Em comparação com a ideia original, a catedral foi enriquecida com uma entrada escultural imponente e uma maior altura das abóbadas, que atingiu os 42,30 metros, superando qualquer outra catedral francesa, exceto a Catedral de Beauvais, que, no entanto, colapsou. Para sustentar esta altura, foi necessário o uso de arcobotantes duplos, mas sempre em harmonia com o plano excepcionalmente grande: 133,50 metros de comprimento e 65,25 metros de largura no transepto.
A construção segue os cânones de Chartres, com três naves tanto na parte frontal como no transepto, e uma grande abside dividida em quatro sectores.
O deambulatório, duplo nos lados, mas simples na parte curva, conduz a sete capelas radiais. No interior, as paredes estão divididas verticalmente em três níveis, arcos, janelas de lanceta tripla e janelas, com a particularidade de a parte de fundo da janela de lanceta tripla ser feita de vidro.
A relíquia de João Baptista
A relíquia mais importante da Catedral de Amiens é o crânio de João Baptista e toda a catedral está rodeada pelas tradições religiosas e pelos mistérios desta personagem.
A parede que separa o coro da nave central está decorada com painéis em baixo-relevo que contam passagens do Evangelho de João.
Uma representação descreve a apresentação da cabeça de João Baptista a Salomé, a jovem que, segundo a narrativa evangélica, a havia solicitado como presente.
Os vitrais
Outro elemento misterioso desta catedral são os vitrais: alguns estudiosos do esoterismo colocaram a hipótese de que seriam um produto da alquimia, uma vez que nenhuma análise científica conseguiu esclarecer como foram tecnicamente compostos. Para fazer o vidro gótico, foram chamados até matemáticos e químicos da Pérsia, como Omar Khaiam, pois afirmavam que o seu método de coloração continha o segredo do espírito do mundo.
As esculturas
O aparato escultórico da Catedral de Amiens é tão impressionante que recebeu a alcunha de “Bíblia de Amiens” devido à completude das representações, que incluem quase todos os episódios do Antigo e do Novo Testamento.
As obras são quase todas do século XIII e são tão importantes que criaram um estilo que se espalharia por toda a Europa. As figuras são esbeltas e alongadas, construídas para permitir a produção em série. As linhas são elegantes e muito bonitas, mas frias e distantes.
A fachada, ladeada por torres dos séculos XIV e XV, possui três portais acima dos quais se encontram duas galerias com estátuas dos reis da Judeia e de Israel, e ao centro a magnífica rosácea com mais de 11 metros de diâmetro. A iconografia segue o modelo de Notre-Dame de Paris. No pilar do portal central surge a famosa estátua de Cristo em pose majestosa e no tímpano a cena do Juízo Final.
O portal direito descreve a vida de Maria, o esquerdo é dedicado a São Firmino. A estátua mais importante é a Virgem Dourada (Maria com o Menino. O nome provém da policromia dos traços), localizada no portal do lado sul que se abre na cabeceira do transepto, uma obra do final do século XIII.
No século XIV, o complexo escultórico foi completado com uma série de figuras históricas, como o Rei Carlos V, o Bom, e o seu filho, Delfim, encostadas aos pilares que separam as capelas do coro. Desprovidas da solenidade das da fachada, mas dotadas de um naturalismo lírico, representam um contraste que permite apreciar a evolução da escultura nos últimos séculos da Idade Média francesa. No início do século XVI, foram esculpidos os 110 bancos do coro, que ainda hoje se conservam como mais uma demonstração da sobrevivência milagrosa da herança artística de Amiens.
DEHON E AMIENS
“Em síntese, gosto da Basílica de São Pedro. É a igreja mais bonita do género; mas prefiro a arte ogival, a arte verdadeiramente cristã, nas suas maiores obras-primas, em Reims, em Paris, em Amiens, em Chartres, em Bourges e em Colónia” (NHV, 5, B26/5-6, 93).
“Para os nossos pintores, na ausência da riqueza das cores, reivindica-se a beleza da ordem e a sabedoria da composição. Mas, em particular e com razão, é exaltada a nossa grande arte ogival, a primeira do mundo, a arte verdadeiramente cristã que nos deu as basílicas de Chartres, Amiens, Reims e tantas outras obras-primas. As igrejas italianas inspiram admiração; as nossas são melhores na missão, fazem rezar” (La Sicile, l’Afrique du Nord et les Calabre, BX, 396s).
A 27 de maio de 1931 a Província Francesa estabeleceu o seu noviciado Amiens (Boutillerie-lez-Amiens).
LAON
A cidade de Laon é o centro da província de Aisne. Está situada numa colina, mantendo, desde o período romano, a sua forma de vírgula. Os peregrinos durante a Idade Média chamaram-lhe a “montanha coroada”, tantas que eram as torres com pináculos em torno da catedral. Foi capital dos reis carolíngios, cidade dos templários, que aí construíram uma capela com a mesma planta do Santo Sepulcro em Jerusalém, e lugar de uma abadia cisterciense muitas vezes visitada por São Bernardo de Clairvaux. A cidade foi um grande centro intelectual durante o século XII, sendo famosa a “Escola de Laon”, que contou com os grandes mestres Anselmo de Laon (1050-1117), famoso pela sua teologia e exegese – Glossa Ordinaria – e seu irmão Rodolfo. Também, em Laon, foram inventadas as primeiras anotações musicais do canto gregoriano.
A catedral é uma das mais antigas de França em estilo gótico (1155-1235), conservando ainda elementos do românico.
O Palácio Episcopal conserva o seu fascínio do século XII. Está no prolongamento da abside da catedral. São famosas as suas gárgulas, que representam os sete pecados capitais.
A cidadela foi construída por Henrique IV.
A Capela dos Templários remonta a 1134.
O Claustro de Saint-Martin, do século XVII, carateriza-se pelas suas elegantes arcadas. Guarda manuscritos com prodigiosas iluminuras, sendo que a mais antiga remonta ao século VII.
Foi em Laon que a 28 de julho de 1874, teve lugar a primeira reunião do “Oratório Diocesano”, durante os exercícios espirituais, pregados pelo jesuíta Pe. Dorr na casa dos Jesuítas “Saint-Vincent”. O Oratório nasce por iniciativa do Padre Dehon e tinha por objetivo contribuir para a santificação dos sacerdotes e para o melhor exercício do seu apostolado.
Foi também em Laon que o Padre Dehon realizou os espirituais de eleição, de 21 a 27 de março de 1876, sob a orientação do Pe. Dorr, que o ajudaram a discernir sobre a sua vocação à vida consagrada.
LILLE
Lille é uma cidade bonita, acolhedora e calorosa na Flandres Francesa. Com mais de 200.000 habitantes, é também a capital da região Nord-Pas-de-Calais, a uma curta distância da fronteira com a Bélgica. O seu nome vem do facto de originalmente estar localizado numa ilha no meio do rio Deûle. Foi fundada no século XI pelos Condes da Flandres. No século XIV passou para França, depois para a Borgonha, Áustria e Espanha. Só em 1713 é que voltou a ser francesa…
Lille é também um famoso e importante centro histórico e cultural graças aos seus museus (o Museu de Arte Moderna, o Palais des Beaux-Arts), às suas universidades (Ècole Centrale de Lille, a Université Lille Nord de France, que remonta a 1560), aos seus teatros (a Ópera de Lille) e aos seus numerosos monumentos (a Catedral de Notre-Dame de la Treille, o antigo Palácio da Bolsa, a Igreja Saint-Maurice, a Igreja Sainte-Catherine, a Igreja de Saint-André, o Hospice Comtesse, o Palácio Rihour, a Cidadela, o Câmara Municipal).
O labiríntico bairro medieval é talvez a parte de Lille onde a história arquitetónica da cidade é mais visível, com as suas ruas estreitas repletas de lojas típicas, como retrosarias, lojas de vinho, tabernas, cervejarias, chocolatarias, restaurantes e bistrôs. No centro histórico, chamado Vieux Lille, a arte flamenga alterna com edifícios renascentistas e góticos, edifícios de Arte Nova e elementos da civilização industrial.
Famosos são os estaminets, os cafés tradicionais do norte, onde se podem saborear especialidades culinárias e pratos típicos da gastronomia local, como o potjevleesch, o fricadelle (ou fricandelle), os les moules frites (mexilhões com batatas fritas) e o carbonade flamande. Vieux Lille é muito animada, sobretudo aos domingos, quando se realiza o mercado.
Destaque-se a Grande Praça central (o nome oficial da praça é Charles de Gaulle, o herói nascido em Lille que libertou a França dos alemães), com a sua grande fonte no centro, à sombra da Grand Déesse, a estátua de uma deusa que comemora o cerco austríaco de 1792. A praça tem vista para a Antiga Bolsa (lado nordeste) e para a Grand-Garde (lado sudeste). Três outras estátuas femininas dominam a praça e representam as três províncias da Região.
Catedral de Notre-Dame de la Treille
A catedral Notre-Dame de la Treille tem uma história singular. O primeiro projeto de 1853 era majestoso e daria a Lille uma das maiores estruturas religiosas da cidade. No entanto, não foi construída e foi continuado um outro projeto não menos importante, concluído apenas na década de 1990, com a construção da fachada. Dada a distância temporal de construçãomnota-se a diferença de estilo entre a fachada e as outras áreas da igreja, tanto interiores como exteriores). Tornou-se catedral em 1913.
O campanário da Catedral de Lille é dedicado a São Nicolau e não fazia parte do projeto original: foi construído num tempo muito curto (segundo os documentos, em menos de um mês). Ainda no exterior, observe-se atentamente a grande porta dedicada a S. José, onde está representada toda a genealogia de Jesus Cristo, tal como está descrita no Evangelho de Mateus.
A beleza continua depois no interior, na capela mais antiga, dedicada a Notre-Dame de la Treille e também na Capela de S. José, na Capela de Santa Joana d’Arc e na Capela do Coração de Jesus. No coração da Catedral de Lille encontra-se outra raridade: a maior cripta de França e provavelmente da Europa (mede aproximadamente 2.500 m2).
Igreja de S. Maurício
Para além da catedral, Lille alberga outro local central para a religião católica. Esta é a igreja de S. Maurício. É um esplendor aos olhos do visitante, uma beleza única que basta um olhar para a fachada exterior para ficar boquiaberto. A igreja é um exemplo magistral da arquitetura gótica do século XIV, embora algumas das suas partes, como a torre, tenham sido construídas em períodos posteriores.
Vale a pena admirar a grandiosidade do seu interior, caminhando entre as colunas altas e sólidas e admirar as obras que adornaram a igreja após a Revolução Francesa. Os frescos antigos e os mais modernos são muito bonitos: em particular, com particular destaque para o do altar de Santa Bárbara.
A Cidadela de Lille
Lille não é só museus e igrejas… Merece uma visita a jóia do coração da cidade, a sua cidadela. Este complexo arquitetónico foi construído entre 1667 e 1670. Está localizado num dos parques mais bonitos da cidade. O edifício estende-se sobre uma base pentagonal, que pode ser visitado através de visitas guiadas por ser uma das zonas vigiadas pelo exército francês.
A cidadela parece ter sido construída numa ilha porque está rodeada pelas águas do rio, quase separando-a do resto do continente. O parque que a rodeia alberga o Jardim Zoológico de Lille e o parque de diversões Les Poussins, duas das atrações preferidas dos mais novos…
DEHON E LILLE
“O Congresso de Lille. – Como são cativantes estes congressos do Norte! Que fé simples, que zelo, que visões elevadas se podem ver neles! O trabalho do Congresso de Lille foi imenso. Fizemos menção às pretensões dos direitos temporais do papa; os estudos sobre o reinado de Jesus Cristo no mundo do trabalho, onde as corporações e o contributo do direito devem restaurar a paz social e a prosperidade ao mesmo tempo que a vida religiosa. Nota-se sobretudo esta poderosa efervescência que move o congresso a favor do reinado do Sagrado Coração, a aclamação do projecto regional de peregrinação a Montmartre e Paray para Junho próximo, o voto de homenagem ao Sagrado Coração de Jesus-Hóstia pronunciado na capela do congresso e que será renovado em Montmartre no centenário de 20 de Junho” (Crónicas, Janeiro de 1889, 16).
“Universidades Católicas. – Este é o reino de Jesus Cristo nas ciências. A luta é heróica neste ponto. Os católicos apoiam as universidades gratuitas, enquanto os seus impostos pagam os do Estado. Lille tem uma universidade completa, é esplêndida e próspera. Paris e Lyon também terão. Há muito tempo que Paris prepara a sua faculdade de medicina, funda os seus hospitais gratuitos. Lyon já aprovou a sua faculdade de medicina. Quatrocentos mil francos já foram angariados, o resto virá. Lyon sabe dar a Deus e a Santíssima Virgem Maria ama muito esta cidade!” (Crónicas, Fevereiro de 1889, 21).
“Consagração nacional. – É um facto: haverá um grande esforço, um movimento verdadeiramente nacional para oferecer ao Sagrado Coração, em junho próximo, esta homenagem social que Ele pediu. Todos os centros de devoção ao Sagrado Coração propagam esta ideia e difundem fórmulas de consagração. O Instituto de Fastos Eucarísticos de Paray-le-Monial publica a magnífica fórmula que foi apresentada no Congresso de Lille por D. de Maricourt. […] Demos ao Sagrado Coração tudo o que Ele nos pediu. Enviamos fórmulas de consagração para aqueles que manifestam o desejo (20 cêntimos por uma dúzia, 1,25 francos por cem)” (Crónicas, Abril de 1889, 47).
“O incentivo veio também de várias almas privilegiadas, como Dom Bosco, o fundador das Vítimas do Coração de Jesus, a fundadora da Guarda de Honra e muitos outros.
A Providência permitiu-nos abrir a querida escola de Fayet a 21 de Novembro de 1882, sob os auspícios de Nossa Senhora da Apresentação, e o noviciado de Sittard a 2 de Fevereiro de 1883, na festa da Purificação.
A casa de estudos em Lille foi inaugurada a 4 de novembro de 1883. Assumimos a capelania de Val-des-Bois na festa do Sagrado Coração em 1887 e as nossas missões no Equador começaram em julho de 1888″ (O Jubileu dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, 1878-1903, 3).
“No ano de 1884, o Instituto fundou um escolasticado em Lille para os seus estudantes de filosofia e teologia” (Memórias, 3. Do texto apresentado à Santa Sé, em 2 de agosto de 1887, para aprovação do Instituto dos Sacerdotes da Companhia do Coração de Jesus).
Depois de se tornar sacerdote, o apostolado dos estudos superiores continuou a exercer uma poderosa atracção sobre o Padre Dehon. O Padre d’Alzon tenta, por tudo, atraí-lo para a sua Congregação (os Assuncionistas) e Pe. Hautcoeur convida-o a participar na fundação, ou pelo menos com uma cátedra, na Universidade (Católica) de Lille.
Leão Dehon, obedecendo ao Pe. Freyd recusou ambos os convites. No entanto, no seu Diário, já como fundador da Congregação, escreve: “Gostaria de ter uma casa de estudos em Paris para doutorados (literários e científicos) e uma em Roma para teologia. A ciência não é um dos principais meios para o apostolado? Os meus planos, repensados em Roma, de fundar uma obra de estudos podem ser bem vinculados à obra de reparação ao Sagrado Coração de Jesus [a Congregação].
A resposta do Pe. Freyd de 1 de Outubro de 1871 levou o Padre Dehon a renunciar à sua presumível vocação para o apostolado da cultura e dos estudos superiores, como professor universitário.
Leão Dehon já estava mergulhado no apostolado quando chegou uma carta do Pe. Hautcoeur, que o convidou a colaborar na publicação da revista Revue des sciences ecclésiastiques.
Eduardo Hautcoeur (1830-1915), nascido em Bruay-sur-Escaut (Norte), foi um dos primeiros alunos do seminário francês de Roma. Sacerdote em 1854, doutor em teologia em 1856, foi professor no Seminário Maior de Cambrai. Em 1860, fundou a Revue des sciences ecclésiastiques. Participou no Concílio Vaticano I, como teólogo de D. Reignier. Embora fosse um ávido investigador sobre a Idade Média, interessou-se muito pelos problemas da sua época. A sua grande obra foi a fundação, em 1877, da Universidade Católica de Lille, onde organizou cinco faculdades (teologia, direito, medicina, letras e ciências). Queria que a universidade fosse muito romana, quase uma reprodução das abadias medievais, como um centro de oração, de estudo, de vida cristã, com um corpo homogéneo de professores de elevado valor científico e religioso. Conhecendo os dons e as inclinações de Leão Dehon, pensou que a universidade seria o seu ambiente ideal.
De acordo com o convite de Hautcoeur, Leão Dehon não deveria abandonar o seu ministério, mas utilizar o seu tempo livre para escrever um artigo a publicar na Revue des sciences ecclésiastiques. Passou assim a fazer parte do “collegium theologicum” composto por cinco membros, responsável pela redação da revista… Com o tempo, poderia ter nascido uma “escola de teologia”: “[O Senhor] tem tudo o que é necessário para fazer o bem neste campo”.
O Pe. Hautcoeur, então professor no seminário maior de Cambrai, não conheceu pessoalmente Leão Dehon. A pessoa que lhe falou dele foi o Pe. Bernard, colega de Leão Dehon no seminário francês, que veio visitar o seu tio, o Vigário Geral de Cambrai.
Leão Dehon sentiu despertar no seu coração um desejo inconsciente, nunca adormecido, pelo apostolado da cultura e pediu um encontro com o Pe. Hautcoeur. Esta reunião teve lugar em Douai, no início de março de 1872. Não foi alcançada qualquer colaboração concreta. Passaram-se dois anos. Em agosto de 1874, decidiu-se fundar a Universidade de Lille, e Hautcoeur deveria garantir professores de qualidade. A 6 de Agosto, escreveu a Leão Dehon, propondo um curso de
“direito natural e direito dos povos, 4 ou 5 horas por semana, em francês…” ou, se preferir, ensinar filosofia em francês aos futuros estudantes de direito, medicina, etc. ou em latim aos futuros estudantes de teologia, ou, se preferirem, de qualquer outra disciplina… é só dizer…”.
Abria todas as possibilidades a Leão Dehon, mas este não aceitou o convite para se dedicar ao ensino.
Em novembro de 1884, o Padre Dehon fundou em Lille uma casa de estudos de filosofia e teologia [Escolasticado], aproveitando a existência nesta cidade da universidade fundada em 1875 pelo Pe. Hautcoeur.
Numa carta aos estudantes de Lille, o P. Dehon fala dos objetivos da Congregação, centrados no Coração de Cristo.
“Para corresponder ao seu amor, é necessário abraçar, entre outras coisas, as formas de apostolado que exigem maior sacrifício… como a assistência aos trabalhadores, o cuidado dos pobres, as missões distantes” (Leão Dehon, Cartas Circulares, 326).
De 6 a 8 de abril de 1903, as casas de Fayet, Lille e Fourdrain receberam também um aviso de encerramento e expulsão.
